23 de fevereiro de 2009

Bolinhos da Sorte - por Pedro Manuel da Conceição Lopes

BOLINHOS DA SORTE
* Pedro Manuel da Conceição Lopes


Depois de desenfreadamente ter comido uma caixa de bolinhos da sorte chineses e com manifesto agrado lido as suas simpáticas palavras, senti crescer dentro de mim uma vontade incontrolável de lhes escrever a seguinte carta:
“Caros bolinhos da sorte chineses:
Muito obrigado pelas vossas simpáticas palavras. Já ninguém era assim tão simpático para comigo desde que falhei um pénalti decisivo numa semi-final dos interturmas no 7º ano e recebi cumprimentos de praticamente todos os jogadores da equipa adversária. E do resto da turma. Das raparigas recebi mesmo algumas risadinhas que julguei serem cúmplices, mas que o tempo logo se encarregou de me desenganar. Escárnio, ouvi dizer.
Mas desde esse momento que nunca mais ninguém me conseguiu desejar coisas tão bonitas como um: Besser zweimal fragen, als einmal irre gehen ou um mais lusitano: Mais vale perguntar duas vezes do que ser enganado.
Se porventura tivesse perguntado duas vezes se seria mesmo eu que tinha de marcar aquele último e decisivo pénalti, alguém teria gritado sensatamente que NÃO. Se calhar teria tido uma adolescência mais sociável e infeliz, dependente daquelas coisas idiotas a que os adolescentes se prezam, tais como a amizade sincera e amores tendencialmente impossíveis.
Sem as longas e tórridas tardes de Verão a devorar solitariamente Kafka no sossego do meu quarto, os amores e humores que se seguiram na minha vida nunca teriam tido lugar. Esta carta não teria qualquer razão de existir e nunca teria comprado uma caixa de bolinhos da sorte chineses numa promoção de um supermercado alemão presente na nossa vila.
Mas de todos os conselhos e saudações que recebi naquela bendita caixinha, há um que não consigo deixar de reiterar: Mais vale perguntar duas vezes do que ser enganado, pois deve ser exactamente o que o leitor se deverá fazer antes de ler o que quer que seja que eu escreva.”

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* Pedro, nasceu há coisa de 26 anos num hospital que já não existe em Santarém, Portugal.
Licenciou - se em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e esta neste momento a frequentar um mestrado em Gestão de Sistemas E-Learning na mesma faculdade.
Fundou, juntamente com Gonçalo Veiga, o grupo Poesia Para Ninguém com diversos recitais pelo país, sendo ainda convidado a título particular para outros eventos relacionados com poesia e a promoção da leitura.
Trabalha enquanto técnico de animação do livro e da leitura na Biblioteca Municipal de Grândola e mantem uma colaboração regular no jornal Ecos de Grândola, assim como é o responsável pela actualização do blogue da biblioteca (
http://bmgrandola.blogspot.com) para além de manter um outro pessoal (http://bbba.blogspot.com) e ter ainda colaborações pontuais noutros blogues.


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