8 de junho de 2010

ETs - By Tatiana Cavalcanti

ETs

* Tatiana Cavalcanti



Ele tinha perguntado duzentas vezes o que eu tinha. E eu duzentas vezes tinha dito que nada. Trabalho em excesso, filhos amáveis, dois deles. Apesar da máquina, ter que lavar roupa, apesar das alegrias ter que viver umas tristezinhas encontradas por aí.
Uma casa inteira, uma vida inteira, uma história repleta de pequenos fragmentos que faziam a vida se quebrar e voltar de outro ponto completamente diferente. Empapuçava recomeçar para ser melhor, me fazia chorar aquele papo da carga, do humor, do passado, do presente, da possibilidade do futuro um dia chegar mesmo. Dava náusea a preguiça no corpo da obrigação de ter medo e de não querer lutar contra ele. Afinal, alguém nos ensinou que não correr riscos é seguro. Ou tentou.

Eu nasci prematura, ansiosa e caótica. Essência. Só que o que era essência virou desculpa para o mundo não entender nem aceitar. Ou só não querer viver junto. E me soterrando embaixo do discurso que diz que ninguém agüenta a minha brevidade.

Não era nada demais. Era o silêncio de não ter mais o que dizer e a surdez de não querer mais ouvir. O repertório tinha congelado no frio e o aquecedor tinha resolvido quebrar em pequenos fragmentos como a vida. Não era nada mesmo, de verdade. Era só ser diferente, era ser mulher na carne e criança no desejo e nos sonhos, era ser um furacão dentro de uma bola de cristal que não podia trincar nunca, senão vovó ia ficar muito brava. Quando o mundo te trata como uma bomba relógio é melhor ficar estática senão nego te desativa.

Ele insistia e eu replicava. Era só querer ser o que eu era, era só poder contar as mil histórias sem ser julgada pela diferença entre a primeira e a terceira pessoa. Era a exaustão de ter que ser igual, de ter que estar embalada na mesma Pack que o resto dos produtos que respiram e tem vontade própria. De ter que ser de mentira porque ser de verdade assusta. Era o sono de viver acordada para tentar outra crônica incrível, a câimbra dos músculos que correm atrás da forma humana que a gente tanto quer ter.
Era só poder fechar o olho e achar que o único problema não era eu. Que o problema também era o mundo não entender que ser diferente no humor e na carga pode ser divertido mesmo que por poucos segundos. Era só a subversão tentando ir contra a superficialidade que me abatia. Era só
uma dor de cabeça que martelava meu cérebro para eu deixar de querer ser o que não é para ser.
Era só o cansaço de procurar sem parar, há 33 anos, o bando de ETs de
quem eu me perdi quando chegamos nesse mundo tão alienado.


* Escritora da Novitas . Vai lançar o livro "Caóticos de uma mulher crônica".
Site da autora: www.taticavalcanti.com.br



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