27 de fevereiro de 2009

Adriano Siqueira - Dois contos


A MISSÃO


*Adriano Siqueira


Quando recebi o recado que minha tia estava morrendo, tinha acabado de dar a prova de história para os meus alunos.Peguei um táxi e fui com urgência para a casa dela.Fazia tempo que não a visitava. Todo mundo achava ela meio maluca, pois vivia dizendo:

"– Não, Teófilo, esse livro não!"

O médico me avisou que ela estava delirando mas mesmo assim eu tinha de vê-la. Quando cheguei, ela estava deitada, e me disse baixinho, colocando um cartão na minha mão.– "Você precisa recuperar o livro..."Ela parou de respirar naquele momento... gritei para o médico, que entrou em seguida no quarto. Saí de cabeça baixa, e então olhei o cartão que ela havia me dado.
Comecei a ouvir sons estranhos, incongruentes, e tive a estranha sensação de estar em meio a uma guerra.Virei-me para o lado e uma lança passou raspando sobre minha cabeça. Agarrei um cavalo e derrubei um soldado que parecia ser… romano! Não tive tempo de descobrir como apareci no meio daquela guerra que parecia tão real, com soldados romanos que me rodeavam e que punham fogo numa pilha imensa de livros.
O lugar se parecia muito com a Famosa Biblioteca de Alexandria. De alguma maneira eu havia me transportado até o ano de 391 a.C.!
E então ouvi aquele grito de novo:– "Não, Teófilo, este livro não!"Era minha tia, que puxava um livro de um soldado romano. Teófilo estava a seu lado, rindo, e rindo muito. Foi então que corri em sua direção, e nunca havia corrido tanto. Minha tia olhou para mim e jogou-me o livro.Reapareci na escada da casa de minha tia novamente, mas agora com o livro que ela tanto queria.


(Teófilo, hoje Santo Teófilo, é nomeado patriarca de Alexandria e inicia imediatamente uma violenta campanha de destruição de todos os templos e santuários não-cristãos. Tem o apoio do pio imperador Teodósio. Deve-se a Teófilo a destruição, em Alexandria, dos templos de Mitríade e de Dionísio. Essa loucura destruidora culmina em 391 com a destruição do templo de Serapis e da sua biblioteca. As pedras dos santuários destruídos serão usadas para edificar igrejas para a nova religião única, a cristã )


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A VAMPIRA DA LOTAÇÃO


*Adriano Siqueira



- Olá Greg! Mais uma noite de ida e volta.
Roberto, 32 anos, cobrador, seu turno era das oito da noite as cinco da manhã.
Greg era um motorisma metódico. Preocupava-se apenas com o bem estar dos passageiros e do ônibus.
- Mais um que sumiu. - Dizia o cobrador.
- Eu li o jornal. Notei que eles pegavam nosso ônibus. - Greg dizia olhando para frente.
- Isso não te assusta?
- Muita coisa me assusta... Salário atrasado, greve, ataques de incendiários a ônibus...
- Nossa! Isso é mesmo assustador. E a Kadja?
Greg olha para o cobrador.
- O que tem ela?
- Sem essa... Você treme quando ela pega nosso ônibus.
Greg estaciona o ônibus para pegar alguns passageiros. Eles escutam uma gargalhada. Os dois se olham e engolem seco antes de continuar. Em menos de meia hora de viagem o ônibus tinha mais de quarenta passageiros.
Roberto pega um livro e começa a ler.
- Sabe o que estou lendo Greg?
- Sei... Algo como “falar menos” ou “Como não atormentar um motorista”.
- Nada disso. Estou lendo um livro sobre vampiros.
- Pode parar por ai Roberto. Eu não quero falar sobre isso. A Kadja é normal.
- Falando de mim...
Um calafrio tomou conta do Greg. Aquela mulher morena de cabelos cacheados e os olhos cinzas claros e um corpo bem definido. Uma vez por semana ela tomava aquele ônibus.
- De onde você veio?
- Acabei de subir. Você não me viu?
- Como consegue fazer isso? Novamente eu não a vi entrar.
- Mágica seu bobo.
O seu sorriso destaca os dentes brancos.
- Como vai pagar a passagem hoje Kadja.
- Vai ver garoto esperto.
Roberto viu Kadja olhando diretamente em seus olhos. Ela fica bem perto dele. Dá um sorriso e por um momento, ele vê a sua vida inteira passando por sua mente.
— Que livro curioso Roberto!
Ela pisca e desvia os olhos de Roberto, segura em um dos braços de um passageiro que estava perto... seus dedos finos passam pela camisa e quando vê que o cartão de passagem está no bolso da camisa ela vira o homem de frente para a máquina e faz uma massagem nas suas costas... o homem gosta e vai ficando cada vez mais perto da catraca. Relaxado pela massagem, seu corpo vai um pouco para frente até que o cartão que esta na camisa aciona e libera a catraca. Ela sorri e diz:
— Isso paga a massagem!
Os amigos daquele cara riem e ele fica enfurecido por ter sido enganado.
Sua louca! Devolve minha passagem agora!
Onde estão os seus modos? Bem. Vamos lá para o fundo que lhe darei tudo que pedir.
Os amigos dele sorriem e o cumprimentam pela sorte que ele tinha. Kadja era linda. Era impossível deixar uma mulher como ela, sozinha.
Greg e Roberto fizeram três viagens de ida e volta. Estavam voltando para a garagem quando Roberto olhou para todo o interior do ônibus.
— Greg! Responda-me... Você viu a kadja descer?
Greg olhou para o Roberto e disse.
— Não. Eu não sei como ela faz isso.
Ele estaciona o ônibus na garagem e ambos descem para acertar os horários. Quando vêem logo a sua frente uma multidão.
Saia da frente. Precisamos desse ônibus para fechar a entrada da garagem.
Você está louco... Esse é meu ônibus.
Não! Não é... É da frota e estamos em greve.
A multidão empurra Roberto e Greg. Pegam o ônibus e levam até o portão. Jogam gasolina e colocam fogo.
— Parem com isso! Roberto gritava, mas não era ouvido. A bagunça toda organizada pela multidão acabou trazendo varias radiopatrulhas e bombeiros. Os primeiros raios do sol já tomavam conta do local.
Roberto tenta empurrar a multidão, mas é agredido e fica sangrando sentado na calçada.
Greg não consegue tirar os olhos do ônibus em chamas. De repente todos escutam um grito apavorante. Todos se calam. E debaixo do ônibus cai um caixão que estava preso na carroceria e de lá sai uma mulher. Era Kadja gritando e correndo para Greg. Ele estava paralisado... Ela queimava por completo. Ela tenta agarrar o pescoço de Greg, mas a alguns passo... ela parou... se contorceu de dor e caiu a poucos metros dele.
Seu corpo foi desaparecendo até que finalmente transformou-se em cinzas.


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*Adriano Siqueira é um dos escritores do livro "Amor Vampiro" e criador do fanzine "Adorável Noite" sobre contos de terror e vampiros, que é distribuído em várias casas noturnas e eventos sobre ficção. Faz palestra sobre vampiros e escreve para vários sites sobre o tema. Atualmente escreve para o blog www.contosdevampiroseterror.blogspot.com

Contato com o autor:
Siqueira.Adriano@gmail.com

Um comentário:

V.Luna disse...

Adorei os contos muito legais o da kadja então é perfeito adoro seu talento e sua criatividade bjs mil Luna / Rose