12 de fevereiro de 2009

O Acordo ortográfico certamente não vai resolver seus problemas de língua portuguesa - Por Eleonor José Scheneider


O ACORDO ORTOGRÁFICO CERTAMENTE NÃO VAI RESOLVER SEUS PROBLEMAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Elenor J. Schneider*



Pelo impacto que o acordo ortográfico dos países lusófonos vem causando, parece que todos os problemas de falta de conhecimento e domínio da língua portuguesa estão resolvidos. A repercussão, no entanto, é muito mais emotiva do que racional. Se alguém não cultiva o hábito de ler e escrever, em nada sairá ganhando quanto à qualidade de sua escrita. De qualquer forma, o acordo está assinado e um decreto presidencial, de 29 de setembro de 2008, determina que a implantação do novo sistema deve estar consolidada até 2012.
As alterações propostas são de pequena monta. O vocabulário brasileiro terá que se adaptar em cerca de meio por cento, número suficiente, porém, para desatualizar todos os textos impressos do país. O custo disso será incrivelmente assombroso e, se comparado ao benefício propalado, inexplicável, para não dizer inaceitável. A maioria das pessoas atentou para esse fato apenas depois da coisa consumada. Como o debate não se deu em tempo hábil – e nem foi incentivado -, agora é aprender.
Algumas das mudanças são até facilmente assimiláveis. É o caso da abolição do trema no grupo gu e qu (averiguei, delinquente), a eliminação do acento nos hiatos oo e ee (o voo, eles veem), a retirada dos acentos nos ditongos abertos éi e ói (ideia, geleia, paranoico), permanecendo nas oxítonas (anéis, heróis), deixando em campos obscuros questões como diferenciar a pronúncia de sereia e Galileia.
Alguns acentos diferenciais, que restavam do acordo de 1971, foram também suprimidos. Nesse caso estão o pára, do verbo parar (que agora figura assim: ele não para de rir), polo, pelo (antes era pólo, pêlo), entretanto permanecem em pôde para diferenciar de pode e o verbo pôr para diferenciar da preposição por.
O grande impasse da nova proposta, com pouca iluminação, está no emprego do hífen com prefixos ou antepositivos. Essa questão já tinha recebido bons estudos anteriores, como os de Celso Pedro Luft, por exemplo, mas agora cai outra vez numa rede complexa, duvidosa e bastante confusa. Palavras que antes se escreviam sem hífen, como microondas e subepático, agora exigem hífen – micro-ondas e sub-hepático; palavras que antes se escreviam com hífen, como auto-ajuda e contra-ofensiva, agora se escrevem sem – autoajuda e contraofensiva. Aliás, enquanto a maioria das questões da língua observa boa lógica, a do hífen apresenta forte marca de arbitrariedade.
A questão está posta e então é necessário caminhar na direção de saber. Certamente, os primeiros tempos serão de estranhamento, principalmente por parte daqueles que dominam bem o sistema escrito, ainda mais considerando a ainda ausência de bons dicionários atualizados. Penso que todos os espaços que se ocupam de ensinar, devem iniciar imediatamente o processo de transição.
Quanto ao objetivo da unificação, considero-o uma grande fantasia. Não é porque escrevemos veem sem acento que vamos ler os jornais ou os livros dos angolanos ou cabo-verdianos. E vice-versa. As grandes diferenças, com a língua regada a sabor local e regional, permanecerão e tendem a se acentuar cada vez mais. Para um nortista brasileiro ler o regionalista gaúcho Simões Lopes Neto, só contando com um bom glossário. E ele escreve em português, com o acréscimo da rica contaminação castelhana. É a língua viva, inquieta, dinâmica, inapreensível em algumas páginas da academia. São risíveis depoimentos como há pouco ouvi: agora vou conseguir ler Saramago.
Só para chamar sua atenção: em nenhum momento, a não ser nos exemplos, empreguei alguma das novidades no artigo aqui publicado. E não foi intencional, o que prova que a montanha pariu um camundongo, como já sentenciavam os latinos.


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* Coordenador do Curso de Letras da UNISC.
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Este artigo faz parte do Jornal Novitas que terá sua primeira impressão em Abril e será distribuído de forma gratuíta.

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