- Ela me disse: Deixe-o crescer!
- Sim, claro! Deixarei.
E a cada passo vi o homem. Vi-o aprendendo a comer com garfo e faca, tomar banho e vestir-se sozinho, consolei-o nas horas de decepção e tristeza quando alguém feria-lhe o peito e a cada lágrima dele uma gota de sangue escorria dos meus olhos. Enfim, renasciam os sorrisos, as vitórias. Vinha chegando o vestibular, depois a faculdade, as noites fora de casa bebendo com os amigos. Já não ouvia seus bons dias ou boas noites, não havia show de talentos na escola, não havia mais.
Nesse meio tempo, senti um vazio uterino, minha pele empalideceu, meus sonhos andavam distantes de mim, e, meu coração pulsava descompassado. Então, veio a namorada, o amor, o casamento. Eu virei espectadora, condenada a minha cadeira de observação. Eles eram felizes, muito felizes.
Resolvi ir viajar, queria a companhia de mim mesmo e excerci o privilégio do monólogo. Não tenha pena de mim. Estava melhor assim, foi aí que as coisas começaram a mudar.
Um dia peguei o ônibus em Londres, fui para o Big ben, subi ao topo, não me pergunte como fiz isso, só sei que fiz, e depindurei-me para ver os seus grandes ponteiros. Queria faze-los volver a um tempo remoto quando ele, pela primeira vez houvera me chamado, um homem apareceu em uma grande plataforma, amarrado com cintos de segurança, o equipamento dele equiparava-se ao de um alpinista e começou a limpar o relógio.
Não demonstrou espanto por eu estar ali, colocou-se a falar comigo sem nem sequer olhar-me. Perguntou-me:
- Faz tempo?
Respondi:
- Tempo demais.
Quer voltar?
- Gostaria, mas é impossível.
Ele me disse virando seu rosto alvo e brilhante.
- Não, não é.
E então, o homem sumiu de diante dos meus olhos e o telefone tocou. Era meu querido dizendo-me que sua esposa estava grávida e que ele estava com saudades e com medo de ser um pai horrível e me pedia colo, assim, eu voltei.
Todas as vezes que vou à casa de meu filho, vejo-o esperando por mim em sua porta, ele estende a mão, ajuda-me a subir os degraus e passando o braços envolta da minha cintura aproxima-me para junto de si, oferta-me um beijo na testa e diz:
- Eu te amo.
Porém, hoje não irei, não receberei seu beijo, nem o sentirei tão perto. Deixei um bilhete na cabeceira da cama do hospital e estendi a minha mão em um breve adeus. Ele, não estava lá, mas estava em mim.
*Nascida em Sampa ou nessa Paulicéia desvairada, percorri os quarto cantos do Brasil e gosto de escrever sobre as impressões que abstraí e incorporei de cada lugar. Tenho 30 anos, quando eu era menina gostava muito de escrever poesias , hoje, prefiro os contos, vivo treinando buscando a primazia, aliás são esses os fundamentos que me fundamentam.
Curso o 5 semestre de Letras tradutor/ Francês – Português na Universidade Presbiteriana Mackenzie, além disso, sou pesquisadora de Libras pelo cnpq/Mackenzie sob o tema: LIBRAS EM CENA – UMA PERSPECTIVA PRAGMÁTICA SOBRE AS ALTERNATIVAS NO USO DOS DÊITICOS DE PESSOA EM SITUAÇÕES FORMAIS E INFORMAIS, estamos só no começo e há muito o que trabalhar.
Aprendi piano, violão e atualmente estou arriscando a flauta doce, amo música como quem ama as palavras que não são ditas, todavia ganham sua significação no tempo e no espaço.
No mais, sou o que sou sombra de mim mesmo.
Edita o blog Palavras douradas
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