8 de fevereiro de 2010

Tema para debate: O mal do bem - querer - By David Nobrega

O mal do bem - querer

*David Nobrega

Um dia você acorda e percebe que o mundo pelo qual você tem trabalhado simplesmente não funciona como deveria. Suas ambições são vazias, seus amigos são frívolos, suas necessidades, bem... a maioria é supérflua e não agrega nada a você como humano. Na realidade, quando você teve esse insight, notou que sua vida é um simples contar números; números da conta corrente, quantidade de pessoas que o cercam, valores insignificantes que eram claramente imprescindíveis até o tal despertar.

A decisão óbvia seria o desapego material que embora teoricamente bonito, é insustentável na realidade. Ninguém lhe bancará as contas de telefone, de energia, a alimentação, o transporte, porque você teve uma pseudo-revelação metafísica. O ideal então seria como?

Em princípio, nossa vida pode ser caracterizada como um conjunto de ações e relações que podem nos tornar melhores ou piores, com o passar dos anos. Mas nada diz que é impossível voê aliar o útil ao fútil, sobrevivendo ao trabalho e vivenciando atitudes suas ou de outros que procurem um futuro melhor.

Ser um sonhador não exclui de você as responsabilidades do dia a dia. Ser um sonhador nada mais é que propor e tentar fazer com que ocorram fatos que sejam relevantes à sociedade de um modo geral. Como o tal sucesso profissional pode ser uma armadilha escravagista, pode também ser levado como simplesmente é: trabalho, meio de sustento, meio para alcançar um fim. Melhor ser bem-remunerado e ter dinheiro sobrando que ser utópico e sentir-se plenamente realizado, mesmo morando embaixo da ponte. existem aqueles que conseguem se realizar enquanto enchem os bolsos? Claro que sim. Uma minoria absoluta.

Pois vejam bem: Existe uma tendência, principalmente daqueles que como eu chegam aos 40 e sentem-se mal utilizados, de abandonar tudo para tentar fazer um algo mais, que deixe nossa marca na história, mesmo que essa história seja circunstancial e restrita a uns tantos membros.

O caminho mais utilizado para tentar esse "xixi no poste" passa pela cultura. Seja por meio de ONG´s ou por esforço próprio, muitos mudam suas vidas, tentando mudar outras vidas.

Como o meio cultural é o que mais importa para mim, posso lhes dizer de peito aberto que não é fácil. Os passos errados e desmedidos, pelo tal desapego que muitas vezes cega a realidade, mascara projetos ruins em tábuas de salvação...totalmente podres. Usar o próprio dinheiro duramente conquistado, sem um lastro posterior, pode ser fatal. Seus sonhos geralmente não são os sonhos dos outros, pelo menos não daqueles que realmente lhe interessam.

Um texto amargo como este é para que você, que acordou para a sociedade, não termine sendo um dos que necessitam do amparo desta. A sociedade gosta de pessoas realizadas/realizadoras e não daqueles que dependem dela.

Quer ser culturalmente importante? Use seu bom-senso e faça as coisas acontecerem, ao mesmo tempo que sua vida continue nos trilhos. Apóie projetos, vá ao cinema e ao teatro, distribua os livros que não lerá mais, sente em um barzinho e ouça um novo músico que depende do couvert para viver. E, claro, trabalhe!

O movimento hippie e suas comunidades não vingou. As comunas socialistas jamais funcionaram. A igualdade é para poucos, cada um dentro de uma determinada ordem na escala social. Falham essas alternativas de vida porque não levam em conta um conceito básico: não existe o doce sem o amargo, o feio sem o bonito, o bems em o mal. Acostumem-se ao fato que o querer, antes de ser, passa por uma fase imensa e dispendiosa de projeto, onde você tem que, necessariamente, minimizar custos e aparar erros de concepção. Quanto menor o erro, menor o custo (psicológico e monetário) que você terá.

Vamos fazer e acontecer? Vamos, mas com pés no chão e cabeça na nuvens.


* Autor e Editor da Novitas. Perfil completo AQUI
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