22 de julho de 2010

O Complexo Homem-Macho - By Marcelo Soriano

O Complexo Homem-Macho

*Marcelo Soriano

Nós homens (machos), já nascemos com a sina de ter de fazer bonito na vida. Geralmente, já somos recebidos ao nascer com apelidos de “Campeão”, “Galo Cinza”, “Terror da Vizinhança”... Não raro, na porta do quarto da maternidade, pendurar-se chuteirinhas ou luvinhas de boxe. Mal nascemos e já nos projetam como dândis, comedores de rapaduras e raparigas, egocêntricos e infiéis reis do puteiro. Este é o estereótipo do Homem-Macho, aquele que esbanja piadas nas rodas de amigos, o que ostenta suas conquistas masculinas como se fossem troféus, aquele que faz do sexo um esporte sem valor sentimental, enfim, aquele que pratica obscenidades em público e os outros aplaudem. Não parece leve, pois, o fardo existencial que espera o Homem-Macho que acaba de chegar ao mundo! Assustado com o cenário caótico que o recepciona neste mundo carnal, logo que chega, sem saber que “homem não chora”, o recém nascido não resiste e põe a boca no mundo... Buáááá!

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“Meu nome é Rubens.”, esta foi a frase mais longa que o recém desencarnado ex-presidiário pôde pronunciar diante de São Pedro – O Porteiro do Céu. O engraçado é que do “Céu” (lá de dentro do tão sonhado paraíso catolicista), cada vez que as portas se abriam vinha um rufo de som abafado; aliás, som abafado e ar viciado, úmido, enfumaçado e quente. Uma longa fila de espera se formava ali fora e São Pedro, um Drag King de cabelos neon, contava os enfileirados e os vistoriava com uma passada de olhos por cima dos escalpos... “Tu sim. Tu não. Tu sim. Tu não...”, assim a fila andava vagarosamente. Ali fora fazia frio. Era uma noite molhada. “O limbo é assim.”, dizia um casal que parecia já ser experiente naquela situação. “Hostess! Lembra de mim?”, gritou um homem afeminado de meia idade que, pelo jeito, já quarava na fila há um século. São Pedro o fitou e disse: “Tu não!”. Lá dentro - dava para ver, cada vez que as portas se abriam, seres andróginos se movimentando mecanicamente com olhos ausentes, imersos numa atmosfera psicodélica, sincopada, minimalista e com iluminação estroboscópica ofuscante; máquinas carburadas com balinhas de Ecstasy. Sim! O Céu... A visão do Paraíso é uma festa rave.

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Eu, Marcelo, não me tornei pugilista. Sequer tive talento para o futebol. Bem lembro, nas seleções da educação física (nos tempos de colégio), quando dois colegas bons de bola escolhiam sistematicamente um a um para os seus times, não raro era eu ficar por último e haver discussões, porque ninguém me queria no seu staff. E (maldição da Lei de Murphy!), os gordinhos sempre figuravam no time dos “sem-camisa”. Voltando a mim... Recordo que na adolescência os homens-machos começaram a despontar, ao passo que os homens-não-tão-machos começavam a “desapontar”. Os machos já se ensaiavam com as garotas, enquanto os outros tendiam ao onanismo ritualístico. Interessante é que os machos crescem primeiro, já, os outros, ficam para trás e parece que nem para crescer servem. Os machos fazem e acontecem e são o orgulho dos pais (machões frustrados, facilmente desmoralizados pela mãe ou mulher). Nós, os não-tão-machos, ficávamos lá, à cabaleira da sociedade hipócrita, analisando, observando, testemunhando a ascensão alheia... Tive três amigos-machos nesta época. O primeiro tornou-se operário da construção civil. O segundo começou a puxar fumo e, logo depois, a puxar etapas na penitenciária. O terceiro, hoje, é flanelinha. Continuamos amigos, mas por força da contingência social e cultural, deixamos de conviver. Minha primeira namorada só apareceu aos 21, quando eu estava por me graduar em engenharia. Acredito que meus pais já mudaram (a contragosto) seu pré-conceito sobre o homem-macho frustrado no qual se tornou o seu filho. Se fosse hoje, certamente, pendurariam na porta da maternidade um esquadro ou - quem sabe? - uma agenda e um relógio.

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O Analista de Bagé seria o profissional ideal para terapeutizar o Homem-Macho. Depois de cinco minutos sendo analisado, o tratamento eficaz viria à tona como um golpe perverso: “um chute nas bolas é teu melhor remédio, vivente!”. E o homem-macho pagaria a consulta com satisfação...

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Não aconselho a ninguém, principalmente um homem-não-tão-macho a se auto-analisar. Corre o risco de acabar se concluindo.

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Há que se observar uma, nem tão sutil, diferença: não confundir (confundir, neste caso, equivale literalmente a “trocar as bolas”) homem-não-tão-macho com macho-não-tão-homem. É evidente que a inversão do jogo de palavras pode conduzir o sujeito a um status de macho-floreado ou macho-arco-íris, que, na mais amena das hipóteses do boca a boca social, pode evidenciar complexos e rotulações tradicionalistas, não a respeito do tamanho do pênis, mas quanto aos infortúnios da fase anal.

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Para finalizar esta crônica conturbada e pseudo-autocrítica, ouso relacionar algumas expressões que jamais devem ser articuladas pela boca de um homem-macho complexado e legítimo:
* Eu não bebo cerveja.

* Prefiro novela a futebol.

* A maioria das mulheres não é vagabunda.

* Eu amo e sou fiel a minha esposa.

*Meu filho há de ser um sensível e culto escritor.


* Escritor. Editor dos blogs Papel (des) Amassado e Insoniografia
http://twitter.com/EUHOJE
http://twitter.com/euFRASE
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