Muita areia pro meu caminhão
*Drika Sanchez
Uma das minhas promessas de 2009 era que todo mês eu me daria um presente. Seja uma bijouteria de 1,99 ou 4 livros de uma vez, como foi este mês de abril. Comprei 2 livros de Clarice, um de Veríssimo e um de Martha Medeiros.
Nela, conta-se uma situação em que Martha teria recebido um cartão romântico daquele moço que nunca, nem em cinco gerações evolutivas, olharia para ela. Desconfiada, ligou para todas as amigas reclamando do trote, e sim, todas negaram. Ela passou tempos imaginando quem teria feito aquele trote de mau gosto com seu coraçãozinho derretido. E claro, tempos depois, o moço inalcançável a encontrou pela rua e perguntou se ela havia recebido o cartão. Constrangida por não ter acreditado nessa hipótese improvável de receber algo romantico daquele "sonho de consumo", ela simplesmente respondeu: "Que cartão?" E assim ele mandou um "Deixa pra lá" e nada aconteceu.
Lembrei exatamente que já senti isso diversas vezes. Para que alimentar ilusões com aquele rapaz? Muita areia para meu caminhãozinho bambo. Lembrei de um grande amor que tive aos 17 anos. Sim, ele era lindo. Mais do que lindo, ele era perfeito. Tudo que sonhei e imaginei que um ser humano masculino bípede poderia ser. Rafael era o meu inalcançável. Mas esperem aí... ele estava olhando pra mim? Não, mentira. Ele nunca olharia para mim, a não ser se estivesse vestida de vaquinha do Toddy num show promocional. Mas sim, ele estava. E ficou comigo. E chegou em casa dizendo para a mãe que tinha conhecido uma menina linda e inteligente. E eu achando que sabia fingir para ser boa o bastante para ele.
Toda vez que saíamos, eu tinha a nítida impressão que todas as meninas pensavam e diziam entre si: "O que aquele "deus" estava fazendo com aquela gordinha? Aí me sentia triste. Depois me sentia orgulhosa. Depois sentia pena dele por namorar comigo. Ele merecia alguém a altura. Fiquei paranóica. Se ele dissesse que iria na padaria, era por certo que iria me trair. Qualquer caixa de padaria era mais bonita e atraente que eu. Por certo, aquela moça da locadora combinava mais com ele. E minha auto estima foi-se esvaindo...
Cansado dessa doença, ele terminou comigo. Uma semana depois da nossa "primeira vez". Aliás, nossa não, da minha. Eu nem queria, mas ele era tão bonito, e as outras poderiam querer... E cedi. E me arrependi. E chorei. E ele se cansou. Estava certo, eu era insuportavelmente feia para ele. Concordei com a decisão. E ele me aconselhou um sanatório. Com aquele cabelo lindo e aquela voz mole. Ai ai...
O fato é que não existe inalcançáveis. Criamos personagens e fazemos deles a história que queremos. Rafael era chato pacas, falava errado, discordava com tudo e só dizia que mulher dele não iria trabalhar. Ninguém suportava ele, e ao contrário do que minha imaginação ouvia, os comentários das meninas era "como Cafeína aguenta esse mala?". Eu criei Rafael e fiz dele toneladas de areia. Eu olhei para o espelho, e fiz do meu caminhão, um fusca sem motor.
Hoje vejo as fotos daquela época e fixando nos meu olhos vejo a angustia que eu sentia. Eu não entendia porque o mundo todo não o amava como eu o amava. E não entendia porque o mundo inteiro não o achava tão perfeito quanto eu o achava. E passei meses tentando provar ao mundo todo que eu estava certa. Até que o mundo me provou que o erro estava no meu espelho e não no peso do baldinho de areia dele. Não existe alguém melhor ou pior para ninguém. Existe química, existe amor, existe sexo, existe amizade... o resto é perfumaria.
* Bacharel em direito e escritora. Escreve nos blogs www.bebendo.com.br e http://drikasanchez.blogspot.com twitter: http://twitter.com/drikasanchez_
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