Nécessaire
* Tatiana Cavalcanti
Seis da manhã quando em meu ritual diário e matinal começo a ajeitar as minhas coisinhas de sempre. Isso aqui está no lugar errado, é mais para esquerda. E aquele outro ali tem que ficar mais para trás, bem perto de tudo que está faltando e encostado nos excessos que latem mais alto do que o bosta do cachorro (sem marca) do chato do meu vizinho. E o sabonete precisa ficar dentro do zíper porque tudo que pode derreter compromete e eu não quero me comprometer nunca mais. Eu jurei para mim que nunca mais me comprometeria com nada que não fosse desejo latente de perder a cabeça, com nada que não fosse vazio porque eu cansei de aprofundar. Uma bagunça tão grande que parece até que eu não mexo em nada, desde que você bateu a porta. Gastei uma pequena fortuna com o marceneiro. Devia te cobrar, mas não vou, estou me resignando.
E tudo aqui, estático esperando meu sinal de vida ou a minha morte súbita de não ter morrido de amor. Aí então virá a tão sonhada reorganização e tudo caberá em seus devidos e primários lugares.
Às vezes parece que esse negócio de ter muitos excessos ocupa muito espaço. Só que eu nunca sei ou nunca tenho certeza absoluta de qual excesso diminuir. Eu e minhas culpas, eu e minhas mil histórias mal contadas, eu e minhas frustrações de não ter sido a Fernanda Montenegro, eu e minhas condenações a todo resto do mundo que não faz o que eu quero. Eu e todo meu ódio pelos imbecis que habitam esse planeta ao invés de rechearem os limbos do nada escuro. Eu e meu maravilhoso mundo de fantasia e caos. O ser humano sempre sobrevive e deve ser por isso que eu estou aqui. Sobrevivi a tudo que eu me boicotei a vida toda.
O excesso do amor eu não tiro. Se eu já sou complexa sendo bem e muito amada, imagina se faltar. Nem o da vaidade que eu não tenho refletido na beleza. Eu sou uma vaidosa filha da puta, quero que o mundo morra lendo meus textos quase miseráveis e ache que, só porque eu demoro para colocar uma vírgula, sou genial. Talvez tirando o excesso do caos emocional, esse que me faz ganhar dinheiro e um pouco de fama de muito mau humorada, eu me foda por completo. Diminuir o caos é diminuir a inspiração? Eu sou tudo isso quando estou em minha menor forma, a forma de espectadora de um bando de humanos que me fascina e que me conta histórias incríveis.
E isso, o que está fazendo aqui? Esse é daqui, atrás desse aqui, cacete.
De excesso em excesso eu fui ficando mais neurótica e cheia de manias. Antes eu odiava meias e agora estou numa mania tão idosa com as extremidades frias. Durmo de meias há meses. Será que inconscientemente quero ficar menos sexy? Mas quando eu fui sexy?
Cara, alguém mexeu aqui com certeza porque eu nunca relo o dedo nessa coisa aqui.
Nunca tive absoluta certeza sobre morrer de excessos ou de falta. Acho poético morrer de falta. Mas de excesso é tão generoso. E tão poético. Para ter uns instantes rápidos de felicidade eu fiz questão de ser bem infeliz. Para dar valor. Quer dizer, nem foi tão ruim assim mas eu vivo da minha tragédia emocional quase comovente. E quase verdadeira.
Já são quase sete e eu me atrasei como nunca me atraso. Deixa para lá. Isso só vai se resolver com uma nécessaire nova. E bem maior.
* Tatiana Cavalcanti é redatora, escritora e autora da Novitas.
http://coffeeandhistory.blogspot.com
Contato:tatianarcavalcanti@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário