26 de maio de 2010

Por que mesmo? - By Tatiana Cavalcanti

Por que mesmo?


*Tatiana Cavalcanti


Eu podia ter dito mil coisas que cabiam perfeitamente naquele contexto. Que ele era de uma segurança inexplicável e que, cada vez que ele virava de lado na cama eu só me sentia mais segura. Que o jeito tosco dele colocar algumas coisas, me faziam rir de tão sem noção, mas que mesmo nas horas toscas o que mais importava era que eu ria feliz e leve. E cabia arriscar dizer que eu confiava nele de um jeito assustador. Porque ele parecia que dava a mão para eu pular a poça sem molhar o vestido novo. E eu parecia flutuar num salto pequeno, mas certo. Que toda vez que ele me dizia uma asneira qualquer eu queria dividir com o mundo a falta de responsabilidade das asneiras que dão conta de deixar a realidade mais branda.

Eu podia ter falado que eu era louca por aquele momento, que eu morria de ciúme dele, que eu ficava com medo ele descobrir como eu era mau humorada e chata. E possessiva. E cri cri, e chorona. Talvez ele até me dissesse coisas incríveis. E eu contaria que, na TPM, meu Deus. Era sempre melhor ficar longe de mim.

Eu podia ter colocado uma música para registrar, ou fechado os olhos com menos pressa. Ou ter feito tudo exatamente como eu fiz. Sem mudar nada. Pouco importava. Tudo era só a gente e nada além daquilo podia virar novela.

Eu podia ter fingido um pouco para ele não me achar maluca. Nem que fosse só fechando a boca porque isso já ajudaria bastante. E eu devia ter confidenciado que meu avô me beijava na testa. E que ele era o maior amor da minha vida. E que, portanto ele me fazia lembrar da metade de
mim que não está mais aqui. Logo, ele me tocava de uma maneira que beirava o transcendental. Eu não ouvia barulho quando ele me abraçava. Depois eu também queria ter dito que um dia, tudo que a gente falava ia ser verdade, porque a nossa verdade a gente é que faz. E nossa lei
também, não importa quanto tempo passe.

Enfim. Eu tinha muitas coisas para dizer. Só que humaninha. Covarde. Bundona. Cheia de mil coisas de gentinha imatura e sem culhão. Calei e deixe passar. Passa, cura, esquece, vai adiante e sem olhar para trás. Admitir, admitir, admitir. Admitir é o que grande parte das pessoas não
faz.

E eu não disse nada do que queria porque fiquei pensando exatamente nisso: porque mesmo a gente não pode admitir?

* Escritora da Novitas . Vai lançar o livro "Caóticos de uma mulher crônica".
Site da autora: www.taticavalcanti.com.br


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