* Denison Mendes
Acordo pela manhã e ela está ali, desesparramada, suspensa do chão. Levanto. No descaminho do banheiro tropeço em calça, sapatos, bolsa, látex, batom, brinco, bugigangas, garrafas, cinzeiro, baganas. O despertar do espelho espreguiça um olhar nada bom. Noto uma pequena rachadura no canto direito, acima. Nada de mais. Não vai precisar pontos, eu acho. Bom, isso é coisa que não se comenta.
Revolto. Dorme ainda. Sento. Santa folha em branco, o preto a libertará da anemia. Doença grave para quem escreve. Cometo com um anão e anoréxico lápis.
Regressa a graça minha
Ó, musa de mileumanoitescas fantasias
Teu palácio ainda é oco
Tua catedral ainda é eco
Tua taba ainda é oca
Veste a nossa quimera de outrora
Dentro de mim ainda há a espera
Agora
Vem na primeira nuvem desnudada
Dá-me meu castigo
Não da pedra nem da perda
Prenda-me em teus abraços
Lassos e de laços
Líquidos inebriantes
Eu grito
Volta
...
Rascunhei-me ali naquela alva e muda página. Estas letras e palavras entrecortadas por espaços e pausas são lágrimas a ensanguentar a minha não mais adormecida dor. Oh! mundo de cruel, digo entre risos.
Ela acorda. Cheirando a anteontem para lá de trás dos montes. Bom, você sabe isso...
Abraçou-me e beijou minha boca com gosto de madrugada vencida e eu já com sabor de tédio. Desvencilhei-me dela como quem diz: não quero me aquerenciar agora. Ela entendeu, contrariada. Não levei a sério, mulher está sempre contrariada.
Depois desta cena memorável de afeto, mostrei-lhe o que havia escrito. Ela olhou, leu, releu, benzeu e professoral anunciou: não entendi nada!
Pô, não ri!
E continuou: mas está maravilhoso, meu amorzinho querido. És um gênio.
Viu? Eu disse para não rir.
Depois disso, fizemos amor selvagem como se estivéssemos na savana africana. E depois do depois disso, liguei para a Ritinha e mandei ela à merda. E queimei o poema que fiz para ela, sob um olhar incrédulo, da paisagem escultural de mármore sobre a cama.
*Denison Mendes, 39 anos, jornalista em formação antropossociológica e política. Um indivíduo do seleto grupo dos comuns em meio a celebridades de raridades instantâneas. De uma cosmoprovíncia, a pintar em português.
Ela acorda. Cheirando a anteontem para lá de trás dos montes. Bom, você sabe isso...
Abraçou-me e beijou minha boca com gosto de madrugada vencida e eu já com sabor de tédio. Desvencilhei-me dela como quem diz: não quero me aquerenciar agora. Ela entendeu, contrariada. Não levei a sério, mulher está sempre contrariada.
Depois desta cena memorável de afeto, mostrei-lhe o que havia escrito. Ela olhou, leu, releu, benzeu e professoral anunciou: não entendi nada!
Pô, não ri!
E continuou: mas está maravilhoso, meu amorzinho querido. És um gênio.
Viu? Eu disse para não rir.
Depois disso, fizemos amor selvagem como se estivéssemos na savana africana. E depois do depois disso, liguei para a Ritinha e mandei ela à merda. E queimei o poema que fiz para ela, sob um olhar incrédulo, da paisagem escultural de mármore sobre a cama.
*Denison Mendes, 39 anos, jornalista em formação antropossociológica e política. Um indivíduo do seleto grupo dos comuns em meio a celebridades de raridades instantâneas. De uma cosmoprovíncia, a pintar em português.
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