A arte de perder
*Álisson da Hora
A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Elizabeth Bishop
Aqui deitado olho o resto de dormência dela, sono suspirado em que eu poderia imaginar um monte de loucuras, um monte de cogitações, mas não. Só fica a certeza de que é a última vez, de que um silêncio talvez reinará como se fosse uma vitória dos clichês, da mesmice, quando na verdade é apenas mais uma face do desencontro e da tortura que nos espreita a cada momento em que vivemos. Aqui deitado busco a sua sombra deitada na parede, também, com o rosto sabe-se lá onde e o pensamento sabe-se em que lá paragens. A repetição de tantas coisas em pouco tempo me faz crer que o tempo o espaço a vida por vezes fica uma coisa meio travada, engasgada, teimosa em se perpetuar em situações estranhas deflagradoras de tonturas e equívocos. Mãos trementes que reconhecem que os chistes e as pragas lançadas em volta de mesas repletas de garrafas e tranquilizantes, a doce nostalgia de jovens que estão envelhecendo, a melancolia de uma tarde de idades que vão se apagando e que vão reconhecendo as tardes que já se foram, que se fecham como livros queridos, mas que martelam os corações e não os reabrimos tocados por uma estranha prudência. Que diz: acabou.
Acabou. Essa estranha prudência deitada em uma tarde que se alongou madrugada adentro, apagada como almas tocadas por álcool e tranquilizantes - assustada como espíritos arrojados do alto de céus sem nuvens e que tristemente acabam acalentadas em mãos dormentes -, é inútil. A repetição visita minha mente, minha sombra dependurada na parede não mostra meu rosto, o tempo e o espaço vivem a brincar com meus pensamentos que pareço ver a se debaterem no chão, teimosos, engasgados, travados: um quadro da minha vida. Um bar eternizado, uma conversa sustentada por milênios como gotas d’água de uma tortura chinesa, cada segundo de perda, de dano. Abandono. A aparição do silêncio agora reina enquanto lá fora um mundo de tolices de promiscuidades talvez nos afaste de vez. Não sei por onde o seu pensamento caminhará depois de hoje. Livros queridos não me servirão de cobertor, não desfrutarei de vitória alguma. As portas vão se fechar, nenhuma música mais riscar o meu caminho e deixar marcas. É assim. E eu fico aqui, sentindo o suspiro derretido dele sobre mim. Grave recordação deitada por sobre minha sombra, pelas minhas sombras. E eu aqui ficarei. Para quando as portas se fecharem. Ficarei com o olho no chão. Eu. Aqui. Deitada.
*CAC - UFPE - PG LETRAS
http://pontispopuli.blogspot.com
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