25 de fevereiro de 2009

Entrevista com Henrique Scalet - Ativista cultural, músico e Presidente do Movimento Cultural Independente de São José dos Campos - SP







Henrique Scalet, 27 anos. Músico e fomentador cultural. Preside a associação Movimento Cultural Independente, em São José dos Campos/SP, que busca a expansão do espaço da cultura jovem e underground dentro da cena regional do Vale do Paraíba; além de participar de duas bandas: Reatores (www.myspace.com/reatores) e Ultrafônica (www.ultrafonica.com.br) que é parte do casting de bandas do coletivo paulistano Escárnio e Osso (www.escarnio.com.br).
Natural de São Paulo, atua na cena política cultural de forma voluntária desde 1999. Sempre produzindo eventos de forma independente, repercutindo e promovendo parcerias e intercâmbios e também incentivando a formação de coletivos. Tendo um crescimento significativo nas repercussões de suas ações quando passou a integrar, ainda em São Paulo, o coletivo Escárnio e Osso, em 2006.
Há três anos, mudou-se para São José dos Campos e deu prosseguimento ao seu trabalho de incentivo cultural, o que culminou na associação M.C.I. que hoje toma a maior parte do seu tempo, embora ainda colabore com o coletivo paulistano EO!.
Quando não está falando de “fomentação”, “colaborativismo”, “cena”, “repercussão” e “cultura”, Henrique trabalha como coordenador de desenvolvimento em PHP em uma empresa de criação de softwares para a web.
Gosta de uísque Jack Daniels, churrasco e balançar a cabeça ao som de Ecos Falsos e outras bandas alternativas brasileiras, mas também não cansa de ouvir aquelas clássicas dos 70. Quem ainda não ouviu falar no Henrique, ainda vai ouvir... Segue entrevista:

(Novitas) Com quantos anos tu começastes a te interessar por música?
( Henrique)
Bom, com uns 7 ou 8 fui colocado em aulas de piano. A partir daí fui despertando o interesse... Acabei abandonando essas aulas com uns 11 e partindo pra aprender violão sozinho. E, já querendo compor – ainda moleque – com letras bobas de punk rock juvenil, foi natural o lance de cantar essas minhas próprias composições. Daí em diante foi só evolução de violonista (para compor) e vocalista, só depois migrei para a guitarra.


(Novitas) Tu faz parte de quantas bandas?
(Henrique)
Duas. Ultrafônica, onde canto e toco guitarra. Componho as harmonias e letras, e o resto da banda participa nos arranjos e estruturas. É um som mais para o rock'n'roll cru, simples, com influência de blues e funk. Bastante suingue e bem dançante.
E também faço parte da Reatores, mais de punk rock “ramônico”. Lá só toco guitarra e participo dos arranjos em cima de composições do vocalista e também guitarrista
Thunder Dellu.


(Novitas) Quantos Cd's tu já lançou? Todos são independentes, ou já tens o patrocínio de produtoras?
( Henrique)
Com a Ultrafônica estamos trabalhando nosso primeiro EP, terá 6 músicas e deve ficar pronto no começo do segundo semestre. É totalmente independente, bancado pelos próprios membros da banda. E temos o único apoio do Ronaldo, um parceirão da Alien Amplificadores (
www.alienamplificadores.com.br), que nos facilita amplificadores de guitarra em nossos shows e gravações.
No caso do Reatores, já temos dois CD's lançados... Mas foram feitos com uma formação antiga, com outro guitarrista, de antes de eu entrar para tocar com eles. Não participei. Mas sei que a produção e gravação também foi feita de forma independente, porém temos uma parceria de distribuição com o selo Ataque Frontal. Ajuda para atingir outros lugares mais afastados, senão, o único jeito de vender discos seria quando fôssemos tocar nos lugares, através da nossa banquinha.



(Novitas) Como tu vê o cenário musical hoje no Brasil? Tem espaço para punk rock e rock?
(Henrique)
Tem espaço sim. Tem espaço para qualquer estilo e vertente de música criativa e bem feita. A cena de hoje parece se dividir em dois caminhos: aqueles que fazem um som naturalmente com apelo comercial e os que não têm a mínima chance de vender milhões um dia, ou aparecer no Faustão. Os caminhos são diferentes, o primeiro tem outro tipo de política para se fazer, afim de atingir o mainstream, não manjo nada desse caminho. Estes do segundo grupo, mais independentes, de onde posso falar com mais propriedade, têm o único caminho que é o da política cultural colaborativa. Eles têm que participar de produções, fazer intercâmbios, promover o fomento da cena local, prestigiar outros eventos e bandas e sempre mostrar a cara na cena. Embora haja espaço e público, jornalistas, fotógrafos, cobertura e produtoras com os olhares voltados para a cena underground, já se foi o tempo onde bastava apenas o instrumento nas costas, ensaiar e fazer um som criativo, autêntico e original; isso ainda é imprescindível, claro, mas sem política, sem lobby, sem participar da cena, contribuindo para o seu crescimento e das bandas que participam na mesma cidade que você, as chances diminuem MUITO. Porque é muita gente fazendo sons pirados, criativos e diferentes. O diferencial tem que ser no engajamento.

(Novitas) Na banda Ultrafônica, tu escreve as letras e canta. Para compor, escreve o que tu gosta ou o que tu sabe que o público vai curtir?
( Henrique)
Temos uma temática de valorizar a libido, a paixão carnal, crimes passionais, o rock e o uísque, nos temas da Ultrafônica. Eu penso bem literariamente ao compor. Penso em prosa e contos, não em poesia. Fujo de temas filosóficos e de existencialismo barato e, principalmente, de letras com lição de moral e ensinamentinhos comportamentais, coisas que pipocam por aí. Quase nunca estou falando de mim, ainda que alguma letra seja em primeira pessoa. O público em geral tem uma tendência de confundir o discurso com o compositor, se apegam muito ao contexto, à “historinha”, procuram significados obscuros nas entrelinhas, como se toda música tivesse uma obrigação de educar, de ser literatura engajada, ou então gostam de imaginar que toda obra vem de experiências pessoais do autor, e deixam o estilo um pouco de lado na hora de analisar alguma letra (e não só letras, até livros a maioria lê assim).
No meu caso, eu gosto de inventar personagens com teorias e valores peculiares, e bem diferentes dos meus (e que muitas vezes abomino). E em cima destas personagens falo de amenidades fictícias, que não passem lição nenhuma ao final. Quero só contar histórias. Muitas vezes baseadas em coisas que imaginei, às vezes baseadas em coisas que vi acontecer e deturpei para ser mais interessante, e BEM raramente baseadas em coisas que eu mesmo vivi.
Às vezes são histórias de amor, mas de amor malandro, de amor mundano, de amor carnal, de amor cafajeste... que são amores muito mais próximos do real do que esses amores de música sertaneja e novela das oito.
O público curtir é sempre a última preocupação. Porque vai ter quem goste de receber lição de moral de uma música, vai ter quem goste de se identificar com o deprimido suicida de letras profundas, vai ter quem queira ouvir histórias sobre amores impossíveis e fabulosos, e vai ter quem só quer beber, curtir, dançar, dar risada, se enroscar nos cabelos de alguém e espairecer com temas leves e divertidos. Estes podem até gostar um pouquinho das minhas composições.


(Novitas) Henrique, Como surgiu a idéia do Movimento Cultural Independente – uma iniciativa de fomento à arte jovem independente de São José dos Campos?
(Henrique)
Sempre trabalhei com política cultural, sempre me envolvi e adoro. Quando cheguei aqui em São José, há três anos, a cena era promissora, com bandas boas, mas com pouca união entre todos. No final do ano passado, após bastante trabalho individual de fomento de cultura, conseguimos formar um grupo inicial de pessoas interessadas em expandir a cena, em fazer parcerias formais em prol do crescimento. Essa foi a mote inicial do movimento, reunimo-nos a fim de colher idéias. A primeira reunião foi bem “inicial” mesmo, não tínhamos nenhuma idéia do que se tornaria o movimento, se algo informal, um coletivo, ou o que. A idéia da OSCIP surgiu naturalmente, sugerida pelos próprios participantes, e então começamos a correr atrás de formalizar isso.


(Novitas)Vocês já tem estatuto e registro, o que mais falta para o Movimento se tornar uma OSCIP?
(Henrique)
Falta uma burocracia de contador, de registro em cartório e tal. Coisa pouca e que faz parte. Não tem nada atrasado, é um trâmite normal mesmo que deve ser feito. Tivemos que fazer eleição, escolher a diretoria, dividir um organograma, departamentos, coordenadores, formalizar associados, enfim... bastante trabalho para deixar tudo formal. Mas tá quase pronto!


(Novitas) Quais são os projetos de vocês, e qual vai ser a atuação do Movimento Cultural?
(Henrique)
Nossos projetos são, por enquanto, na área de produção de eventos. Queremos produzir shows e festivais que integrem o máximo possível de vertentes artísticas. Com teatro, poesia, artes plásticas, áudio-visual e fotografia, além é claro da música. Sempre valorizando a arte jovem e independente, sem espaço no mainstream ou apelo comercial. Nossa inclinação é para o rock e suas vertentes, mas podemos flertar esporadicamente com a música brasileira, com hiphop fusion e com o reggae, que achamos que são estilos que podem tem uma certa relação com o público mais eclético do rock, e que também são vertentes de pouco espaço. A idéia é que consigamos produzir, no futuro, eventos gratuitos e em locais públicos, concretizando assim a expansão pretendida.
Futuramente, também pretendemos expandir nossas atividades com ações educativas, que promovam a difusão da cultura independente em escolas. Podemos promover oficinas e workshops que mostrem que há espaço para a molecada crescer gostando de rock e se envolvendo, ajudando como pode. Desde o molequinho extrovertido que quer tocar guitarra, até aquele mais introspectivo que gosta muito de escrever e que no futuro vai ser jornalista underground mesmo que ainda nem imagine.


(Novitas) O movimento com certeza vai ter um crescimento. Tu como Presidente, depois de bem estruturado o Movimento em São José dos Campos, vai fomentar essa idéia para outras cidades, e talvez outros Estados?
( Henrique)
O nosso movimento, apesar de sediado em São José dos Campos, tem tentáculos, ouvidos, pernas e olhares sobre toda a região do Vale do Paraíba. Temos representantes envolvidos na cena de Jacareí, e estamos flertando com o pessoal de Paraibuna. Também tenho contato com o pessoal de outras associações, com alcance nas cidades litorâneas aqui da região, entre outros contatos da capital e de outras partes do estado. Acredito que nossas ações fiquem diretamente centralizadas nessa região, já que é bem difícil produzir algo em uma cena desconhecida e com poucos contatos. E também porque o caminho de expansão é através de parcerias com outras associações e apoio aos seus eventos e produções, e não simplesmente por ações assinadas exclusivamente por nós. Mesmo porque, essa idéia não é nada original, já existem muitas associações como a nossa por aí.
A tendência desse tipo de entidade, coletivo, associação, etc, é sempre trabalhar colaborativamente, tanto de forma interna, como já expus, quanto externamente, através de contatos estreitos e parcerias de intercâmbio entre os coletivos.
O que pode acontecer, num suposto futuro de sucesso, é uma integração com coletivos e associações de outras regiões e estados, afim de facilitar intercâmbio dos artistas daqui. Receber bem artistas de fora é uma das formas de contribuir para isso. E as ações pontuais que por ventura pintarem em conjunto com outros coletivos, serão embrionárias, planejadas e alimentadas para crescerem fortes, assim como qualquer parceria: comercial, profissional ou alternativa. E também serão alicerce para que o nosso crescimento atinja esse sucesso.
O importante é que não haja uma competição entre as entidades e associações. Mas isso já é assim, o pensamento comum é de auto-gestão, colaboração, ajuda recíproca. E assim a cena toda se expande com força. O que queremos é colocar o Vale do Paraíba no mapa da cena alternativa nacional, divulgando e repercutindo nossas ações locais e também apoiando e auxiliando ações de outros coletivos que nos despertem algum interesse, bem como nos colocando como opção de boas produções e de boa visibilidade para artistas de outros lugares.


(Novitas) Como tu vê o cenário cultural hoje no Brasil?
(Henrique)
É difícil falar diretamente do cenário cultural brasileiro. É muito expansiva a cultura no Brasil, muitas vertentes, muitas influências, muitas nuances. Isso, ao mesmo tempo que é bom porque difunde a tal diversidade da qual nós brasileiros tanto nos orgulhamos, também dilui demais as vertentes, ficando difícil a definição de uma cultura brasileira característica. Tem gente que quer taxar, que olha mais para a cultura regional, a cultura de terra, indígena ou de raiz, ou com origem mais sertaneja, e rechaça um pouco essas culturas com influência estrangeira. Mas eu poderia falar que o rock feito no Brasil, em português, não é parte vigente da nossa cultura também? Ou a cultura do hiphop e sua dança? Só porque a influência inicial é gringa? Podemos muito bem encarar o rock como uma das vertentes de cultura brasileira e dar importância para ela também. Tem muita gente que pensa assim também e trabalha forte para essa difusão acontecer... Então se você me perguntar se o cenário cultural é rico em diversidade, vou dizer que sim; se tem gente incentivando e difundindo em nível nacional esse tipo de cultura em que eu me envolvo, vou dizer que sim; mas se você me perguntar se o governo, a política oficial, considera a cultura jovem e underground com os mesmos interesses que outros tipos de cultura, vou dizer que não... porque tudo o que flui, acontece, melhora, cresce e dá certo dentro da política cultural jovem é fruto do trabalho de um monte de gente engajada, utópica, sonhadora, sem medo de dificuldades e que abre mão de muito (não só financeiramente, mas principalmente) em busca de uma causa pertinente a muita gente. E, quando tem algum apoio público, é raro, pouco, escasso, e proveniente de MUITA força de vontade e envolvimento político por parte desses organizadores.


(Novitas) A internet para teu trabalho é meio de divulgação, acredita que um dia tudo será somente informatizado, ou está na hora dos ativistas culturais saírem da frente do PC e fazerem arte na rua, para todos?
(Henrique)
Já mais do que passou da hora. Sempre falo uma coisa sobre internet: que é um benefício meio dúbio. Ao mesmo tempo que a internet aproxima pessoas de longe, ela acaba afastando as pessoas de perto. E isso, para uma cena alternativa, é péssimo. Antes da difusão em massa da internet, de myspace e produtores de quarto de apartamento, os artistas tinham que se encontrar, se falar, se encostar e abraçar – literalmente – tinham que se ajudar, tinham que cooperar. Nem se falava de coletivo, de “colaborativo”, etc.. porque nem precisava falar, era naturalmente o único jeito. Então, até as barreiras de estilo eram de mais fácil transposição. Os próprios artistas tinham mais maleabilidade para aceitar vertentes diferentes, dar atenção ao inusitado, repercutir e promover o trabalho de outro artista, ainda que não fosse exatamente do mesmo estilo que ele. Hoje, com a internet, é muito mais fácil você formar parceria com uma banda de “punk rock hardcore”, igualzinha a sua, mas que esteja no Acre, do que ir no show do seu vizinho. Só porque ele toca um “punk rock californiano” você torce o nariz.
É claro que essa integração externa é necessária, saudável e benéfica... mas não quando ela substitui o trabalho de campo dentro da cena local. E o único jeito de expandir é através da internet, hoje sem internet, todo esse papo de colaboração e parceria é natimorto. Mas esse contato hipotético com uma banda do Acre que exemplifiquei, pode render muito mais frutos se for não um canal entre a banda Xis daqui e a banda Xis de lá. Mas sim entre as cenas, daqui e de lá. Isso que é colaboração. Fortificar a cena local presencialmente, e usar a internet para difundir esse trabalho, expandir o alcance das ações... e então dividir os “lucros”, que são os contatos, os bons canais, os parceiros, as boas idéias. Assim podemos expandir os interesses em conjunto e sincronia.


(Novitas) Deixa um recado para quem faz arte para viver, seja na música, fotografia, pintura, literatura ou qualquer forma de expressão.
(Henrique)
Não basta só ser talentoso, criativo e original. Meter a guitarra (câmera, tela, livro, sapatilha, nariz de palhaço) nas costas e sair batendo em portas e mandando emails pedindo para te darem espaço. Não basta mais ser simplesmente artista, mesmo que bom. Tem que ser artista e político. Tem que participar, expandir estratégias, se envolver, fazer contatos, dar idéias, ajudar, prestigiar, incentivar o novo, se dedicar de corpo e alma, e sangue, sempre dando a cara a tapa. Investir, produzir e repercutir. Mas definitivamente o primeiro passo, é – essencialmente – prestigiar SEMPRE os outros artistas até passando por cima do próprio gosto em algumas vezes.

3 comentários:

Anônimo disse...

Henrique é realmente uma pessoa talentosa e conto que ele vá longe com suas bandas.
Sucesso!

Marcos Pontes disse...

Bom vê-los com a mão na massa e produindo. Muito bom!

Anônimo disse...

Vamos torcer para o sucesso, talento eles tem.
Meire