26 de abril de 2010

Aquela tarde foi diferente de todas as outras - By Tatiana Cavalcanti

Aquela tarde foi diferente de todas as outras.
* Tatiana Cavalcanti



Ela esperava por aquilo como uma dançarina espera pelo dia de dançar no Municipal.
Ela era só uma adolescente e ele um homem mais velho e desesperado por um pouco de
leveza e juventude para curar as dores definitivas que ele carregava.
Ela louca atrás de alguma sabedoria para sair da mediocridade dos pelinhos nascendo.
E eles se esbarraram numa Rua de São Paulo, numa tarde chuvosa.
O beijo daquela tarde, o primeiro, aconteceu depois de vinte dias de uma relação
metade utópica metade realista.
Ele pegou na nuca quente dela e ela sentiu a primeira pegada forte da vida. A
canela, cheia de pêlos medianos e descoloridos arrepiou de um jeito que nenhum
idiota de 15 anos freqüentador de matinês poderia fazer.
Todas as verdades na ponta da língua, todas as incertezas enroladas num misto de
saliva com ansiedade. Um ácido quase doce. Era a vida dizendo que a hora tinha
chegado. A hora do primeiro amor, da grande paixão.
Uma fraqueza absoluta, uma tonteira estranha e uma força impulsiva. Uma vontade
imensa de não morrer nunca para recontar por mil vezes aquele seu primeiro frio. O
frio importante que escorre e que traz à tona tudo que a gente morre de medo de
viver só para não sofrer nunca.
Ele passou a mão o rosto suave dela num ato de carinho profundo.
Ela queria mais sem parecer sedenta. Queria viver tudo naquele segundo para nada
fugir. Corria o risco de ele, tão descolado, esquecer dela no primeiro pisca-pisca
que ligasse avisando que ia entrar para esquerda.
Mas ele não esqueceu por que encontrou nela tudo que mais precisava: a juventude, a
adolescência e a arte de planejar. Planejar o futuro sem saber que, até ele chegar,
muitas mudanças podem acontecer.
Ela era virgem. Ele era viúvo.
Ela estava começando e ele retornando do fim que tem volta.
Aquele foi o primeiro deles dois.
O primeiro beijo molhado dela.
E o primeiro beijo jovem dele depois de a vida ter levado sua mulher tão jovem.


* Autora da Novitas. Escreve No blog Coffee and History




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