(À)tona
*Monica Saraiva
Mas era eu,
Que por não ser mais criança
Não podia ter caído nessa brincadeira
Nesse jogo de mau gosto
De te fantasiar ser o oposto
Da mesmice corriqueira.
Hoje guardo de herança
A solitária idealização
Dos milhares de euteamos repetidos em vão,
No meu pé, o teu beijo
Dessa máscara de desejo,
Desejo de um só endereço,
Menor, bem menor que mereço
Muito menos que eu tinha pra dar.
Vai querer me negar?
Quer dizer que um dia chegou a me amar?
Que num estalar se transforma o amor em erro
E fazes dele o enterro
Sem sequer me convidar?
Faz um favor:
Recolhe cada uma das cenas de teatro mal-feito
Engole cada um dos versos baratos
Apaga aquelas letras escritas sem pudor.
Todos os atos
Registrados de um jeito
Que cicatrizaram embaixo do cobertor.
Não sei de onde veio essa autoridade
De usar da inverdade
Pra despertar a boba menina
Se fazendo de bom rapaz.
Não, não fala mais!
Nem canta ao meu ouvido em nenhum idioma
Recompõe, ou melhor, desafina
Pra que eu não consiga traduzir
E possa, enfim, dividir
O que todo esse tempo foi soma.
Aproveita e me livra da cela
Eu não caibo em abertura de novela
E esquece Cazuza e Bebel
Pois não precisas dizer mais nada
Fica assim, onde estás
No lugar de onde nunca saiu
No teu posto, de onde nunca permitiu
A minha oferta de céu,
Minha porta escancarada...
Devolve o meu cheiro, viu?
E vê se leva o teu que esqueceste aqui
É que eu preciso dormir!
Esquece meu rosto,
Meus olhos,
Meus sinais.
Deixa-me livrar do teu gosto
Dos teus olhos,
E de tudo mais.
Enfrento cada meia-noite
Como se a última fosse
São madrugadas de açoite, de rio a correr
É claro que eu sei perder!
Mas é que o sabor doce
Esse, que vinha de um ser
– que hoje eu sei -
Não era você
Ainda faz lembrar feito canção
A tela que eu desejei
O amor que nela pintei
Desperdiçado, largado no chão
Em completo desprezo, desdém
Por alguém que eu criei,
Que nunca existiu, mais ninguém.
A propósito, a saber,
Desprazer em (re)conhecer.
*Monica Saraiva é estudante de Serviço Social e Pedagogia,
trabalha com Participação Popular e vive tentando arrancar
a poesia que acredita existir em tudo o que vê e sente. Mantém
o blog: www.blogdamoni.blogspot.com e é colaboradora
do blog: www.poemacurta-metragem.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário