AMOR MORTO
*Tâmara Lopes
"se tens um coração de ferro, bom proveito.
o meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
José Saramago.
Só amei três vezes e nas três, morri. Dizem as más línguas que já morri muito mais que isso. Vai ver não me lembro. E se não me lembro é por que não senti. Minha primeira morte foi aos 16 anos. Eu havia mudado para Goiás e namorava um cara. Um tipo metaleiro e estudante de geografia. Namorado perfeito e a gente ia junto pra tudo que era canto. Era a coisa mais linda de se ver. Aos sábados, freqüentávamos um planetário. Ele me falava de astros, estrelas e planetas e eu achava ele o cara mais inteligente do mundo. A gente não se largava e até causava inveja na vizinhança. Aos 16 anos, eu era romântica. Eu só queria saber de romantismo. E pensávamos em ter quatro filhos e todos eles já tinham nome. Oito meses depois os pais deles se transferiram pra Brasília e lá se foi meu amor. De mala e cuia. Nos víamos sempre que dava. E aos poucos foi morrendo a paixão. Depois quando já não tinha mais paixão, fui morrendo também. Meu amor morrendo por asfixia. Amor sem paixão é morte certa. E meu namorado, o romântico perfeito, morreu e nunca mais o vi. E fui crescendo. Depois da minha primeira morte, comecei a fumar maconha e andar embriagada de vodca com coca cola. Minha mãe disse que eu estava ficando viciada e que aquilo não era certo. As pessoas costumam confundir vontade com vicio. São coisas diferentes. Não sei explicar. E ”...ainda somos os mesmo e vivemos como os nossos pais..”. Eu vivia cantarolando. Aos 19 anos, veio o moço da biblioteca . Eu sempre frequentava a biblioteca da faculdade depois da aula. Ele era uma espécie de mestre. Era mais velho que eu uns 20 anos. Ele era adulto e se preocupava comigo. Tinha uma mania de me chamar de Menina. Na hora eu ficava de cara feia. Não gostava de ser menina diante de tanto saber. Depois, eu ate gostava. Ele me ensinava de música clássica, de literatura, de vinhos e me fazia entender Portinari. E quanta bobagem eu falava. Ele falava de texturas, quebra de cores, a suavidade dos traços fortes e eu lá, bem no meio da minha meninice me desmanchando. Aos 19 eu me desmanchava fácil. Bastava sentir minhas coxas roçarem uma na outra pra me desmanchar. Ele achava graça e dizia que era natural esse desmantelo todo aos 19. E teve um dia que me ligaram do hospital. Leucemia. E mais uma vez, enquanto ele morria de câncer, eu morria de parada respiratória. Fiquei mau. Entrei em depressão. Tentei suicídio, mas não funcionou. E cai fácil no papo de Cássia “... mudaram as estações, nada mudou... mas, eu sei que alguma coisa aconteceu, tá tudo assim tão diferente...” O tempo passou e aos 25 jurei que não morreria mais de amor. Nada mais me passaria a perna. Nem amor, nem ódio, nem leite derramado, nem ilusão, nem nada. Eu agora era adulta e não morreria mais nos braços de amor nenhum. Pronto! Tava decidido. Fui me dando em outras camas, sem amor mesmo. Até que um dia, botei pra quebrar. Escancarei de vez. Enchi a cara e sai beijando todo mundo. “Sou fera. Sou bicho. Sou anjo. Sou mulher...” E tudo foi por terra. Acordei em cama alheia e até disse: “Eu te amo”. Fiquei noiva. De aliança e tudo. A família inteira festejou. E até casa chique mobiliada, com carrão e um labrador no jardim, eu tinha. E ele lia tudo que era livro que eu gostava. E a gente tomava porre de vinho e ia pra balada de rock. Ah! Bendito seja esses homens de 40. Por fim, deu pra sentir ciúme. Era ciúme o tempo todo. E deu pra me negar leitura e beijos. Até que me negou amor. E era murro em ponta de faca e ciúme em cima de ciúme. Até que um dia, de tanto ciúme, ele me traiu. Acordei decidida a matar o amor. Ele foi pro trabalho e eu fiz as malas. Foi nesse dia, que morri pela terceira vez. Entrei no taxi. Vi o tempo passar e percebi que o espetáculo perdeu a graça. Tudo fica muito serio, dietético e linear. Tomei consciência das minhas mortes. Na verdade, nunca quis morrer. Era tempo de voltar a ser o que eu não seria, se tivesse a chance de escolher de novo. Nunca fui boa em múltiplas escolhas e decidi seguir a regra. Quatro anos depois fiz do tempo meu ditador. Estado civil, Eu.
É, acho mesmo que cheguei ao fim. Morta de vez.
*Mistura de Lady Macbeth com Cinderela. Filha de pai durão e mãe orgulhosa. È geniosa, fuma, bebe, fala palavrão, tem uma cabeça dura e um coração mole!..
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